31 de Março de 2010 - 1º dia no Caminho
Como acontece a muitos de nós e muitas vezes... tudo começou com o som do despertador!
O encontro estava marcado para o Terreiro do Paço, às 8:00h, pelo que todos três (eu, Malhas e Filippus) tivémos que efectuar uma denominada etapa 0 (zero): entre a casa de cada um e a Sé de Lisboa, sendo que entre o Terreiro de Paço e a Sé, a faríamos juntos.
Para mim e para o Malhas isto implicou termos de afectuar a travessia do Tejo, altura em que os primeiros raios de sol despontavam
Eis o “rendez- vous” dos três que iniciaríamos o Caminho em Lisboa.
Após a travessia num barco já repleto de gente calada e sonolenta, rumo aos respectivos empregos, lá nos encontrámos e parámos no Cais das Colunas para contemplar o Tejo e nos despedirmos da nossa Margem Sul…
Rumámos à Sé de Lisboa, local emblemático e ponto de partida deste Caminho Central Português.
Como a Sé ainda estava encerrada, deslocámo-nos á igreja de Sto. António para carimbar as nossas Credenciais, e regressámos diante da Sé, visto ser aí que encontrámos a nossa primeira seta amarela e seguindo-a, nos embrenhámos nas ruelas de Alfama, Sta. Apolónia e demais bairros no sentido Oriente
Chegámos ao Parque das Nações. Nova paragem simbólica diante do Marco dos Caminhos (de Santiago e de Fátima) e seguimos, pois pouco à frente – na zona do Vasco da Gama - haveríamos de cruzar o nosso Caminho com um primeiro elemento (da TRUPE) que, arranjando uma desculpa ao patrão, fazia questão de abandonar o emprego e nos vir desejar um “Buen Camino”…
… Fogachadas, aperta aí e vai mas é trabalhar.
Despedimo-nos com um até de hoje a uma semana, pois seria ele quem, fazendo de nosso motorista, nos iria recolher a Santiago na 5ª feira da próxima semana. És grande!
Seguimos então pelos fabulosos passeios ribeirinhos do Parque das Nações, em direcção ao rio Trancão…
Foi após cruzarmos esse mesmo rio que tomámos a nossa primeira decisão conjunta: “Seguimos pela Nacional 10, evitando o Caminho pela bacia enlameada do rio Trancão…” Gramámos uns quilómetrozitos no “alcatrone” até à Póvoa de Sta. Iria, quando surgiu nova decisão a tomar…
“Vamos pelo Sapal!”.
Resultado:
Felizmente e não obstante o cenário inicial, acabámos por nos desenrascar muito melhor do que aconteceu em Janeiro passado (quando fizemos o Caminho de Fátima e fizemos logo às portas de Lisboa o nossa primeiro SPA de lama) e houve mesmo tempo e vontade em apreciar o horizonte. A lezíria a partir de um viaduto sobre a linha do “Quimbóio”…
Rolávamos em amena cavaqueira, quando ainda antes de Alhandra haveríamos de deparar com a primeira surpresa do nosso Caminho. De repente, um bttista inverte a sua marcha e vem junto de nós: “Vocês é que são aquele pessoal que vai até Santiago em autonomia?...”
Nem queríamos acreditar, fruto do acaso, aquele jovem ali do Sobralinho, que fazia um treinozinho, cruza-se connosco e, de imediato, pergunta se nos pode acompanhar até V.F. Xira.
Certo é que o Mauro acabou por fazer de “cicerone”, levando-nos pela ciclovia, guiando-nos até à igreja matriz (que apesar de aberta, não tinha ninguém que nos pudesse carimbar as Credenciais) e depois até ao local do nosso 1º abastecimento…
Depois de “bitocarmos” seguimos rumo ao quartel dos Bombeiros, onde acabámos por selar o nosso “Salvo-conduto” e cruzarmo-nos no Caminho com alguém que, connosco conversando e pedalando o mais rapidamente que conseguia, nos acompanhou durante meia dúzia de metros
O alcatrão guiou-nos até Vala do Carregado e à Azambuja, com a planície a ser cruzada pelos novos viadutos das novas auto-estradas
Em Azambuja, nova decisão (fruto das lembranças dos Caminhos de Fátima) teria de ser tomada…
Se da outra vez fomos “à argila”, desta vez também não perdoamos! E eis a perspectiva…
Após algumas dezenas de metros a ouvir uma terrível chiadeira na minha bicicleta, decido parar e tentar ver o que se passa… Cinco ou seis palavrões ecoaram pela lezíria. Um dos dois parafusos que fixava o suporte dos alforges ao quadro tinha ficado algures…
Após a risada dos meus dois colegas e de novas imprecações, desta vez, dirigidas a cada um deles, silêncio durante alguns segundos e… “eureka”! Salta um dos ganchos da rede que suportava o saco-cama e encaixa nos dois buracos, suportando de novo o suporte: “Pelo menos até Valada tem de aguentar, depois logo tentamos desenrascar!”
Seguimos animados e confiantes, de novo em alcatrão, mas sempre com motivos para nos prender o olhar
“- Oh Miguel, olha ali!... É só mudares os alforges para dentro da caixa…”- sugeriram-me.
“- Não dá – respondi eu, - tem a direcção bloqueda!”
Certo é que o bem-dito gancho estava desempenhar exemplarmente uma função para a qual não tinha sido feito e ao entrar em Valada, jurei a mim mesmo, nunca mais dizer mal dos artigos e das lojas chinesas: “Long live chinese shops!”
Foi pois bem sorridente que cheguei e chegámos a esta localidade ribatejana & ribeirinha. Depois de termos lavado as bikes na bomba de gasolina (afinal ainda tínhamos trazido alguma lama connosco), dirigimo-nos à Junta de Freguesia para novo carimbo e é aí que um cantoneiro me diz: “Havia aqui uma drogaria, mas já fechou… mas o velhote vive lá e se batermos à porta ele talvez ainda lá tenha alguns parafusos!”
Deixei para trás nova risada dos meus colegas e zarpei junto com aquele indivíduo em direcção à referida loja.
Longe estariam de imaginar que naqueles próximos minutos, sem sabermos, o Caminho, mais uma vez, aconteceria…
Do alto dos seus 90 anos e da sua simpatia e amabilidade, o senhor António abriu-nos as portas da sua antiga loja (encerrada há dois anos pela ASAE) e tentou ajudar-nos. Obviamente sem sucesso, mas isso foi o que menos nos importou, o que contou verdadeiramente, foram aqueles dez minutos que partilhámos. Bem-haja, caro senhor!
Despedimo-nos, e às suas palavras de incentivo, respondemos-lhe que não se preocupasse, pois dali já quase avistávamos Santarém e lá haveríamos de resolver o problema.
Apesar de percebermos e aceitarmos a sua recusa em receber o mínimo que lhe poderíamos retribuir, foi à sua saúde que, já perto da ponte de Muge, brindámos com um tintinho!
Ao longe, lá no planalto, “Scalabis”. Mas até lá muito o Caminho ainda teria para nos revelar…
Começámos por fazer o que normalmente dizem para fazermos quando não temos sono, mas precisamos de dormir…
contar ovelhas!
Depois ainda pensámos que aquele “amarelinho” que ali andava era uma nova valência da Câmara Municipal (rasgo de génio do presidente Moita Flores), e que bastaria meter as “burras” lá para dentro que não custava nada subir até Santarém…
E quando, finalmente, nos deparámos com a famosa
É que caímos em nós…
A etapa estava nos quilómetros finais.
Tornei a pensar no gancho da rede que teimava em aguentar-me o suporte e os alforges e, não fosse a subida que tinha diante de mim e o Filippus ter-me dito que agora é que o ar iria começar a ficar mais rarefeito, ter-me-ia jogado para o chão a chorar… de alegria.
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Acreditem ou não, em plena subida conseguimos ainda obter a informação de que logo ao lado do “Quinzena” havia uma loja de ferragens onde poderia ver resolvida a “minha falta de um parafuso”. Alcançado o topo e encontrada a loja, o Caminho voltava a fazer-se “sentir”…
“- Tomem lá… vão aí dez parafusos. E façam uma boa viagem!” – desta vez, foi a srª. Carla a demonstrar aquela que, para mim, foi uma das grandes revelações do Caminho: a de que o ser humano é bom por natureza!
[URL=http://img41.imageshack.us/i/habemusparafusus.jpg/]
Uma vez mais, tornámos a retribuir à nossa moda…
Desta vez, porém, com duas pequenas diferenças: branquinho (só para ir variando e para não enjoar) e um cafezinho pago para a Dª Carla (que não nos acompanhando, tem a loja mesmo do outro lado da estrada em frente do café).
Foi pois já com um novo parafuso colocado e com os “níveis” devidamente atestados que nos deslocámos em direcção à Sé de Santarém. Era aí que pretendíamos selar novamente as nossas Credenciais e o nosso local de pernoita até ficava nessa zona…
Em plena praça da Sé, somos novamente interceptados e interpelados por elementos aqui do fórum… e que aliás, aqui chegaram a vir comentar este mesmo facto: de se terem cruzado connosco.
A primeira etapa tinha terminado. O Caminho cumpria-se!
-“ Oh Miguel, já viste o co teu primo tá aqui a escrever sobre ti e o teu parafuso pá Katita?!...”
Depois de gentilmente recebidos pela Elsa – colega de Faculdade do Malhas aqui em Santarém – e do banhinho tomado, foi então altura de descomprimirmos, caminhando pela cidade, e de irmos em busca do já tão almejado jantar…
Três rápidos exemplos da diversidade e do valor cultural e arquitectónico desta cidade:
Estilo árabe
Estilo gótico
E estilo renascentista/manuelino
Andávamos de tal maneira deslumbrados com tanto que há por ver, que quase nos desorientávamos e “perdíamos o Norte”...
Felizmente, encontrámo-nos!
Foi só seguirmos este beco e…
A Srª. que aparece na imagem acabaria ainda por servir de “gps” para o que abaixo se vê…
(Atenção,
pois a imagem que segue,
dependendo da hora do dia e da sensibilidade de cada um,
pode afectar gravemente a sua disposição)
(Sável frito com açorda de ovas)
E o Caminho continuou!
(2º Dia no Caminho brevemente)