O que eu gosto no BTT, que fiquei a achar que o Nozes não gosta:
Eu cá sou um daqueles que foi descrito há umas páginas atrás, que gosta de se picar nas subidas para mostrar que a tem maior que os outros. E o que é certo é que a tenho mesmo grande, tão grande que frequentemente me atrapalha o pedalar e me impede de ganhar esses mesmos picanços

. Mas mesmo assim não há ciclista de roda fina que eu encontre na estrada que não tente desafiar, ou sempre que me sinto bem numa subida ou num terreno rolante, lá disparo eu, na esperança que alguém me siga. Faço-o simplesmente porque me dá gozo e sempre respeitando a minha segurança e a dos outros. Não me acho melhor ou pior ciclista que ninguém, se "ganhar" ou "perder" o picanço.
Mas não é apenas disso que eu gosto: gosto de passeios de 80 km em estradões de terra, que durem o dia todo, com sandes e barras de cereais na mochila, que acabam por ter que ser reforçadas com coca-colas e batatas fritas de pacote compradas na tasca que fica mesmo a jeito na meia distância do passeio. Gosto de aproveitar o alcatrão e os estradões para tirar umas fotos ao grupo em andamento, sem ver bem para onde aponto, corrigindo a falta de qualidade das fotos com recurso à selecção na quantidade. Gosto de me juntar a um grupo de amigos que gostam mais de copos que de bikes, adicionar uns alforges com tralha à traseira da bicla e fazer algo tão pouco original como ir até Santiago de Compostela por motivos tudo menos religiosos, bebendo uma ou duas cervejas a mais todas as noites do percurso e fazendo piadas e jogando pelo caminho jogos que envolvem arrotos e libertação de outros gases mais fétidos. Também gosto de por vezes fazer pouco mais do que 20 km na cidade ao domingo de manhã e acabar o passeio numa esplanada a tomar café, com uma conversa que dura mais tempo que os 20 e poucos kms feitos.
Estes poucos kms feitos têm o efeito de me deixar ligeiramente preocupado por quase não ter treinado para a maratona de 80 kms que vou fazer na semana seguinte, na qual vou andar a pensar na semana toda e para a qual vou adorar andar a procurar nos supermercados, o melhor preço nas barras Isostar, no Gatorade em pó, ou no Powerade engarrafado. No dia anterior ao da maratona vou me deitar excessivamente tarde, depois de lavar e afinar a bicicleta com cuidados acrescidos e vou perder tempo com preciosismos do género: fazer um pequeno golpe com a tesoura nos papeis das barras, para poder abri-las com uma mão e com os dentes e comê-las em andamento, aproveitando as zonas de abastecimento para deitar fora os papeis que se acumulam nos bolsos do jersey e para comer mais qualquer coisa (as bolas de berlim tramam-me sempre, apesar da ideia inicial ser de não perder tempo parado). Gosto de quando me sinto um pouco preso em cima da bicicleta no início da maratona e depois, a partir do meio e até ao fim, de sentir que já ando com muito mais técnica e fluidez por já estar há horas a praticar. Gosto de me sentir bem até aos 40 kms, ponderar e decidir que faço a maratona toda em vez de apenas metade, e de já estar a começar a sentir as pernas esgotadas aos 55, mas ainda assim completar o frete de qualquer forma e senti-lo como uma vitória no fim.
Depois de uma maratona, nada como consultar o site da organização umas três vezes por dia, até aparecer uma tabela com as classificações, onde procuro o nome dos meus amigos que ficaram atrás de mim, para lhes poder mandar umas "bocas mete nojo" durante alguns dias. Do site da prova, também saco os previews das fotos que tive a sorte de me terem tirado e chapo-as na janelinha do messenger para "impressionar as miúdas", e perco algum tempo a admirar-me a mim próprio, enquanto os guardo em pastas segundo localizações e datas.
O que eu gosto no BTT, que acho que o Nozes também gosta:
Gosto de sair para andar sozinho, calmamente, repetindo os trechos das subidas ou descidas que não consegui fazer, ou que não saíram muito bem à primeira vez. Adoro provas de XC (das antigas), divirto-me mais a fazê-las do que as actuais e mais frequentes maratonas e tenho imensa pena de praticamente não conhecer ninguém que esteja disposto a fazê-las comigo.
Gosto de fazer passeios ao domingo de manhã ou de tarde ou no sábado, que sejam duros pela distância e pelo tipo de terreno envolvido e fico com o ego em alta, sempre que faço uma descida que me meteu algum medo à partida, ou quando consigo ir um ou dois metros mais acima na subida que "é para se fazer a pé". Gosto de meter conversa com outros betetistas que vão na mesma direcção que eu, especialmente se já me estiver a sentir cansado, porque a conversa distrai um bocado da dor. Gosto de cumprimentar toda a gente que encontro no monte, excepto o pessoal de mota, mas ainda assim prescindo da excepção se eles me cumprimentarem primeiro.
Gosto de ver uma mancha verde no Google Earth e de tentar passar por lá na volta seguinte, para ver se "dá para andar".
Gosto de usar o carro menos que a maior parte das outras pessoas, por pedalar a maior parte das vezes para o trabalho, apesar de transpirar sempre um pouco mais do que seria ideal a fazê-lo e ter que aguentar parte do dia com a roupa húmida no corpo. Gosto do meu kit de ferramentas portátil, da bomba e da minha câmara suplente e do facto de terem muitos anos e muito pouco uso, porque saio sempre de casa com a bike devidamente vistoriada. Gosto de fazer um passeio a abrir, sair de casa a pedalar para um monte que fica a 20 km de casa, apenas com um ou dois colegas que estejam a andar bem no momento, e de fazer uns kms de estrada extra no fim, como penalização por ter levado coça deles nas subidas. Gosto das dores musculares que estou a sentir agora, por ter feito ontem um bom passeio desse género.
Gosto de ter começado a andar de bicicleta no monte em 1994, e de por isso ter uma boa noção de como as bicicletas evoluíram e as revistas da especialidade já raramente me ensinarem algo de novo. Por essa mesma razão, também gosto de me sentir ligeiramente mais sábio ou um pouco paternal em relação aos outros que só começaram a praticar na era "pós travão de aro", apesar de saber que é um sentimento errado e que por vezes isso se reflecte involuntariamente na forma como digo ou escrevo as coisas.