Maria Isabel tem 83 anos e é uma criminosa

ignite

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Maria Isabel tem 83 anos e é uma criminosa. O local do crime é o fogão, e assim foi durante muitos anos: vende bolo de laranja no café da zona. Sem recibo. E ainda consegue ir mais longe: usa os ovos das suas próprias galinhas. Juntamente com a filha, formam uma organização criminal. Eusébia, com 58 anos, produz uma pequena quantidade de queijo de cabra na sua própria cozinha que vende aos vizinhos a 1 euro a unidade. Um dos vizinhos, José Manuel, utiliza o antigo forno de barro que tem no quintal para cozer pão, faz uma quantidade a mais do que a que ele e a sua mulher necessitam para vender aos amigos, tentando assim complementar a pensão da reforma que recebe. Alguns dos habitantes mais idosos da aldeia apanham cogumelos e vendem-nos ao comprador intermediário. Novamente, sem passar recibo. Por sua vez, este intermediário distribui-os em restaurantes, passa recibo mas fá-lo pelo dobro do preço que pagou por eles. Marta, proprietária do café da zona, encomendou alface ao fornecedor mas acrescentou umas ervas e folhas de alface do seu próprio quintal. E se pedíssemos uma aguardente de medronho, típica da zona, quando a garrafa oficial, selada com o imposto fiscal, estiver vazia, o seu marido iria calmamente até à garagem e voltava a encher a garrafa com o medronho caseiro do velho Tomás. Podemos chamar a isto tradição, qualidade de vida ou colorido local – o certo é que em tempos de crise, a auto-suficiência entre vizinhos, simplesmente ajuda a sobreviver.
O Alentejo é das regiões mais afetadas pela crise que de qualquer forma afectou todo o país. A agricultura tradicional está em baixo, a indústria é quase inexistente e os turistas raramente se deixam levar pela espectacular paisagem costeira da província. Os montes alentejanos perdem-se em ruínas. Quem pode vai embora, ficando apenas a população idosa a viver nas aldeias, e para a maior parte, o baixo valor que recebem de reforma é gasto em medicamentos, logo na primeira semana do mês. Inicialmente, as pessoas fazem o que sempre fizeram para tentar sobreviver de algum modo. Vendem, a pessoas que conhecem, o que eles próprios conseguem produzir. Não conseguem suportar os custos de recibos ou facturas. Para conseguir iniciar um negócio com licença, teriam de cumprir os requisitos e fazer grandes investimentos que só compensariam num negócio de maior produção.
Ao contrário de Espanha, Portugal não negociou acordos especiais para quem tem pequenos negócios. As consequências: toda a produção em pequena escala - cafés, restaurantes , lojas e padarias que tornam este país atractivo - é de facto ilegal. Só existem duas hipóteses, ou legalizam o seu comércio tornando-se grandes produtores ou continuam como fugitivos ao fisco. Até agora e de certa forma, isto era aceitável em Portugal mas neste momento, parece que o governo descobriu os verdadeiros culpados da crise: o homem modesto e a mulher modesta como pecadores em matéria de impostos. Como resultado, as autoridades fecharam uma série de casas comerciais e mercados onde dantes eram escoadas os excedentes das parcas produções dos pequenos produtores e transformadores, que ganhavam algum dinheiro com isso, equilibrando a economia local.
Há uns meses atrás, a administração fiscal decidiu finalmente fazer algo em relação ao nível de desemprego: empregou 1.000 novos fiscais. Como um duro golpe para a fraude fiscal organizada, a autoridade autuou recentemente uma prática comum na pequena Aldeia das Amoreiras: alguns homens tinham - como o fizeram durante décadas - produzido e vendido carvão. Os criminosos têm em média 70 anos, e os modestos rendimentos do carvão mal lhes permitia ir mais do que poucas vezes beber um medronho ou pedir uma bica.
Não é benéfico acabar com os produtos locais e substituí-los por produtos industriais. Não para o Estado que, com uma população empobrecida, não tem capacidade para pagar impostos. E não é para a saúde: não são os produtos caseiros que levam a escândalos alimentares nestes últimos anos, mas a contaminação química e microbiana da produção industrial. Apenas grandes indústrias beneficiam desta política, uma política que chega mesmo a apoiar a crise. Sendo este um país que se submete cada vez mais a depender de importações, um dia não terá como se aguentar economicamente. É a realidade, até parece que a globalização venceu: os terrenos abandonados do Alentejo foram maioritariamente arrendados a indústrias agrícolas internacionais, que usam estes terrenos para o cultivo de olival intensivo e para a produção de hortícolas em estufas. Após alguns anos, os solos ficam demasiado contaminados. Em geral, os novos trabalhadores rurais temporários vêm da Tailândia, Bulgária ou Ucrânia, trabalham por pouco tempo e voltam para as suas casas antes das doenças se tornarem visíveis.
Com a pressão da Troika, o governo está a actuar contra os interesses do próprio povo. Apenas há umas semanas atrás, o Município de Lisboa mandou destruir mais uma horta comunitária num bairro carismático da cidade, a "Horta do Monte" na Graça, onde residentes produziam legumes com sucesso, contando com a ajuda da vizinhança. Enquanto os moradores do bairro protestavam, funcionários municipais arrancaram árvores pela raiz e canteiros de flores, simplesmente para que os terrenos possam ser alugados em vez de cedidos. Mais uma vez, uma parte da auto-organização foi destruída pela crise. A maioria dos portugueses não aceita isto. No último ano e por várias vezes, cerca de 1 milhão de pessoas - o equivalente a 10% da população - protestou contra a Troika. Muitos demonstram a sua criatividade e determinação durante a desobediência civil: quando saiu a lei que os clientes eram obrigados a solicitar factura nos restaurantes e cafés, em vez de darem o seu número de contribuinte, 10 mil pessoas deram o número do Primeiro Ministro. Rapidamente isto deixou de ser obrigatório. Também há alguns presidentes de freguesias que não aceitam o que foi feito aos seus mercados. E assim os pequenos mercados locais de aldeia continuam mas com um nome diferente “Mostra de produtos locais”, “Mercado de Trocas”. Se alguém quer dar alguma coisa e de seguida alguém põe dinheiro na caixa dos donativos, bem... quem irá impedi-lo?!
Existe um ditado fascinante: “quando a lei é injusta, a resistência é um dever”. É este o caso. Não são os pequenos produtores que estão errados mas sim as autoridades e quem toma as decisões - tanto moral como estrategicamente. É moralmente injustificável negar a sobrevivência diária dos idosos nas aldeias. E estrategicamente é estúpido. Um tesouro raro é destruído: uma região que ainda tem conhecimentos e métodos tradicionais, e comunidades com coesão social suficiente para partilhar e para se ajudarem entre si.
Uma economia difundida globalmente e à prova da crise é o que aqui acaba por ser criminalizado: subsistência rural e regional - o poder de auto-organização de pessoas que se ajudam mutuamente, que tentam sustentar-se com o que cresce à sua volta. Ao enfrentar a crise, não existem razões para não avançarmos juntos e nos reunirmos novamente. Existem sim, todos os motivos para nos ajudarmos mutuamente, para escolhermos a auto-suficiência e o espírito comunitário rural. Podemos ajudar a suavizar a crise, pelo menos por agora – se não, no mínimo oferecemos um elemento chave para a resolver. Quanto mais incertos são os sistemas de abastecimento da economia global, mais necessária é a subsistência regional.
Assim sendo, pedimos a todos os viajantes e conhecedores: peçam pratos caseiros e regionais nos restaurantes. Deixem que as omeletes sejam feitas por ovos que não foram carimbados nem selados. Peçam saladas das suas hortas. Mesmo em festas ou cerimónias, escolham os produtos de fabrico próprio, caseiros. Ao entrar numa loja ou café, anunciem de imediato que não vão pedir recibos ou facturas. Talvez em breve, os proprietários dos restaurantes se juntem a uma mudança local. Talvez em breve, um funcionário de uma loja será o primeiro a aperceber-se que a caixa de donativos na entrada traz mais lucro do que o registo obrigatório das vendas recentemente imposto. Talvez em breve, apareçam as primeiras moedas regionais como um método de contornar as leis fiscais.

Por Leila Dregger.

Fonte: https://www.facebook.com/Yronikamen...3260545033433/886083331417818/?type=1&theater
 

Joseelias

Well-Known Member
Lamento informar-te mas mais de 90% dos portugueses apoia incondicionalmente o que está a acontecer (eleitores do arco da governação+abstencionistas).

E continuarão a apoiar exactamente os mesmos nas próximas europeias, legislativas, autárquicas e presidenciais que por aí venham independentemente de quantas alternativas (novas e antigas) surjam no boletim de voto.

Entendo e concordo maioritariamente com o artigo, mas infelizmente temos um povo que acha que eleger consecutiva e maioritariamente quem o castiga, rouba, corrompe e comete diariamente crimes de alta-traição contra a nossa pátria é a escolha certa.

Temos o que merecemos.
 
[h=1]Paraísos fiscais e corrupção – uma luta global[/h]
20 de Fevereiro, 2009





Texto de John Christensen do Secretariado internacional da Rede pela Justiça Fiscal.
Publicado no portal Ibase em Novembro de 2007
A sonegação corrompe os sistemas fiscais dos Estados modernos e solapa a capacidade de o Estado prover os serviços exigidos por sua cidadania. Além disso, representa a mais alta forma de corrupção porque priva directamente a sociedade de recursos públicos legítimos. Essa é a razão pela qual o combate ao abuso fiscal internacional se tornou a grande frente de batalha pelo desenvolvimento internacional e contra a corrupção, a desigualdade e a globalização.
Está a ser preparado o cenário para uma daquelas lutas épicas do nosso tempo. Nos últimos 50 anos, de forma secreta e audaz, as elites profissionais e os seus poderosos clientes construíram uma economia global paralela - muitas vezes denominada de paraísos fiscais - para fugir de impostos e regulamentações territoriais. Essa economia fornece infra-estrutura habilitadora de bancos, escritórios jurídicos e de contabilidade, pequenas assembleias legislativas e pequenos sistemas judiciários e intermediários financeiros associados - que se combinam para servir de "interface extraterritorial (offshore)" entre as economias ilícita e lícita[1].
Tal interface tem estimulado e facilitado a fuga de capitais dos países pobres para os ricos em escala verdadeiramente assombrosa. Tem facilitado, também, a sonegação fiscal, deslocando a carga tributária do capital para o trabalho, e contribuindo significativamente para aumentar a desigualdade. Finalmente, tem solapado a integridade dos sistemas fiscais e o respeito pelo estado de direito.
Os negócios secretos e os tratamentos especiais enfraquecem a própria democracia. A interface extra territorial distorce os mercados globais em prejuízo da inovação e do espírito de empreendimento, diminuindo o ritmo do crescimento económico ao prover recompensas sem esforços e ao desviar investimentos. Essa é uma das principais causas do crescimento da corrupção, que funciona por meio de um conluio entre intermediários financeiros do sector privado e os governos dos Estados que abrigam as actividades dos paraísos fiscais. Essa luta requer repensar, radicalmente, a natureza e a geografia da corrupção, forçando a sociedade civil a enfrentar as grandes falhas da arquitectura financeira internacional e a superar o poder politico dos grandes interesses estabelecidos.
O abuso fiscal internacional deve tornar-se a próxima grande frente de batalha pelo desenvolvimento internacional e contra a corrupção, a desigualdade e a globalização. Em parte por causa da complexidade dos temas, as organizações da sociedade civil tem evitado alguns dos aspectos mais importantes desses debates, deixando-os para especialistas muito bem remunerados e comprometidos com os interesses dos poderosos e ricos. Chegou a hora de a sociedade civil dar um passo a frente e enfrentá-los.
Isenções e segredo garantidos
Ao contrário das imagens evocativas que o termo "extraterritorial" traz à mente, seria um erro pensar em extraterritorial como algo desligado e longe dos principais Estados-nação. Geograficamente, muitos paraísos fiscais estão localizados em pequenas ilhas espalhadas pelo espectro dos fusos horários. Mas política e economicamente, a maioria dos paraísos fiscais está intimamente vinculada aos principais Estados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) e o termo extraterritorial é uma declaração política sobre o relacionamento entre o país e partes dos seus territórios (Palan, 1999).
Por exemplo, no caso da Grã-Bretanha, a maior parte das transacções extraterritoriais é controlada pelo distrito financeiro de Londres (conhecido como The City), embora muitos intermediários financeiros operem de escritórios localizados no exterior e nas dependências da Coroa. Tais jurisdições dão a impressão que operam com autonomia. Porém, na prática, quase sempre actuam como centros de recepção das instruções emitidas pelo centro financeiro de Londres e outros grandes centros financeiros. São utilizadas, principalmente, pelo distrito financeiro londrino porque oferecem isenção fiscal total ou impostos mínimos, com normas de segredo financeiro (ate mesmo a não divulgação dos verdadeiros proprietários das empresas e dos fundos) e regimes regulatórios mais permissivos que os territoriais.
Muitos paraísos fiscais estão vinculados directamente a Grã-Bretanha por terem o status de território no estrangeiro, de dependência da Coroa ou fazerem parte da Comunidade Britânica (Commonwealth).[2] Quando perguntaram a activista norueguesa contra a corrupção Eva Joly - que investigou, na década de 1990, o escândalo da Elf (gigante petrolífera francesa) - se poderia ocorrer corrupção naquela escala no Reino Unido, ela comentou que muitos dos maiores paraísos fiscais do mundo, e acima de tudo a própria city londrina, estão sob o controle britânico. E acrescentou:
O Reino Unido manteve os seus privilégios, permitindo que as empresas britânicas funcionassem a partir dos seus próprios paraísos fiscais. A expansão do uso dessas jurisdições está vinculada à descolonização. É uma forma moderna de colonialismo. (Eva Joly, 2007)
Eva Joly refere-se aos paraísos fiscais como o alvo principal do debate sobre a corrupção, argumentando que "não existe nada mais importante para pessoas que querem enfrentar a pobreza no mundo que rastrear os fluxos de dinheiro sujo e impor sanções aos territórios que não cooperam com esse processo" (Joly, 2007).
O segredo extraterritorial - criado por leis de sigilo bancário ou por arranjos jurídicos e práticas bancárias de facto - e uma barreira importante para rastrear os fluxos de dinheiro sujo e enfrentar as actividades corruptas. Esse segredo impede a investigação das actividades dos centros financeiros extraterritoriais por parte de autoridades externas, facilitando a lavagem de dinheiro de grande espectro de actividades criminais e corruptas - incluindo fraude, desvio de dinheiro, roubo, suborno, tráfico de drogas, tráfico ilegal de armas, falsificação, uso de informações privilegiadas, emissão de notas fiscais falsas, alteração na formação dos preços de transferência e sonegação fiscal (Christensen; Hampton, 1999). Para incorporar o dinheiro sujo nas transacções comerciais, esquemas complexos são concebidos, disfarçando o lucro do crime e da sonegação fiscal com a utilização de estruturas extraterritoriais. Segundo um perito investigador:
Os métodos de lavagem de dinheiro variam drasticamente, desde o relativamente simples e de baixo nível até cenários comerciais altamente estruturados e complexos ou transferências de dinheiro para o exterior. É cada vez mais identificada a infiltração de criminosos em negócios legítimos. Nenhuma dessas pessoas poderia realizar essas actividades se não fosse pelos advogados, consultorias, assessores financeiros e similares que, conscientemente, ajudam-nas a lavar e a esconder activos. (Riches, 2007)[3]
Rastreamento fracassado
Pelo menos, 1 bilião de dinheiro sujo[4] entra, anualmente, em contas dos paraísos fiscais - cerca de metade desse montante tem origem nos países em desenvolvimento (Baker, 2005). Apesar das numerosas iniciativas contra a lavagem de dinheiro, o índice de fracasso no rastreamento dessas operações é assombrosamente alto. Segundo um banqueiro suíço, somente 0,01% do dinheiro sujo que passa pela Suíça é detectado (Baker, 2005, p. 174). É improvável que a situação seja melhor noutros centros financeiros offshore. As técnicas utilizadas para sonegar impostos e lavar dinheiro sujo incluem mecanismos e subterfúgios financeiros idênticos: paraísos fiscais, empresas e fundos offshore, fundações, bancos correspondentes, directores interpostos, transferências electrónicas fictícias etc.
Instituições legais que receberam da sociedade status especial e privilégios foram subvertidas e usadas para fins totalmente distintos. Por exemplo, os objectivos originais dos fundos fiduciários (trust)[5] eram proteger cônjuges e outros membros da família que não podiam cuidar dos seus próprios negócios e, também, promover causas beneficentes.
Por mais incrível que possa parecer para pessoas não familiarizadas com a economia offshore, fundos beneficentes são regularmente criados nos paraísos fiscais para servirem de "sociedades de propósito especial" e serem utilizados no planeamento internacional de impostos, escondendo activos e obrigações offshore - como aconteceu nos casos da Enron e da Parmalat (Brittain-Catlin, 2005, p. 55 e 76).
O notável crescimento da economia extraterritorial, desde meados da década de 1970, revela grande linha de fractura no processo de liberalização financeira. Enquanto o capital se tornou quase totalmente móvel, os sistemas para rastrear os fluxos internacionais de dinheiro sujo são quase todos de base nacional. Não é surpreendente que o resultado tenha sido um crescimento maciço dos fluxos internacionais de dinheiro sujo - muitas vezes assumindo a forma de notas fiscais comerciais falsificadas e alterações na formação dos preços de transferência entre subsidiarias de multinacionais.
A maior parte desse dinheiro é lavado por intermédio de complexas estruturas escalonadas que operam no sistema bancário global. Montantes enormes estão envolvidos, especialmente no caso dos países em desenvolvimento com tendência para a fuga de capitais. As estimativas de fuga de capital da África variam consideravelmente, mas, segundo a União Africana, 148 mil milhões deixam o continente a cada ano, em fluxos de dinheiro sujo (Grupo Parlamentar Multipartidário sobre a Africa, 2006, p. 14).
A maior parte dos analistas concorda que o fluxo de saída de dinheiro sujo originado na África tende a ser permanente, indicando que entre 80% e 90% desse fluxo permanece fora do continente (Grupo Parlamentar Multipartidário sobre a África, 2006).[6] Outro estudo conclui que a Africa subsaariana é credor líquido do restante do mundo no sentido de que seus activos externos (montante da fuga de capitais) excedem os passivos externos (dívida externa) (Boyce; Ndikumana, 2005). O problema é que grande parte dos activos está em mãos privadas, enquanto os passivos pertencem ao povo africano.
Geografia da corrupção
A sonegação de impostos corrompe os sistemas fiscais do Estado moderno e solapa a capacidade de prover serviços exigidos pela sua cidadania. Isso representa a forma mais alta de corrupção, pois priva directamente a sociedade de recursos públicos legítimos. Entre os sonegadores estão instituições e indivíduos que desfrutam de posições sociais privilegiadas, porém consideram-se uma elite separada da sociedade e rejeitam "quaisquer obrigações intrínsecas à cidadania numa sociedade normal" (Reich, 1992).
Esse grupo inclui indivíduos ricos e pessoas de elevado rendimento, além de uma infra-estrutura de colarinho branco de banqueiros profissionais, advogados e contabilistas, acompanhados de uma infra-estrutura extraterritorial de paraísos fiscais com sistemas de governo, judiciários e autoridades regulatórias quase independentes. Portanto, esse tipo de corrupção envolve um conluio entre actores do sector privado e público que exploram o seu status privilegiado para solapar os regimes fiscais nacionais.
O fracasso no enfrentamento dessas grandes falhas do sistema financeiro globalizado tem gerado um espírito de anarquia e corrupção que abala a nossa confiança na integridade do sistema de mercado e na democracia. A sonegação de impostos das pessoas ricas força os governos a transferir o ónus fiscal para quem não tem tantos recursos, aumentando a desigualdade e prejudicando as perspectivas de desenvolvimento ao reduzir as receitas disponíveis para investimentos em educação e infra-estrutura.
Directores e directoras de empresas comprometidos com a boa governança e políticas éticas competem em condições desiguais com delinquentes empresariais dispostos a explorar o planeamento fiscal até aos seus limites. Os governos comprometidos com práticas fiscais equitativas e com o comércio justo são arrastados para um processo inteiramente falso, conhecido como competição fiscal, que enfraquece a base de arrecadação e aumenta a desigualdade.
A compreensão do público sobre o que constitui corrupção precisa ser radicalmente modificada para incluir qualquer actividade que envolva o abuso do bem público ou que solape a confiança pública na integridade das regras, dos sistemas e das instituições que promovem o bem público. Nesse marco analítico, o abuso de informações privilegiadas, a sonegação e a elisão fiscais, a manipulação nas bolsas, a não divulgação de participação pecuniária, o desvio de fundos e a alteração na formação de preços comerciais também seriam reconhecidos como práticas corruptas.
Nó cego
Muitos economistas descuidam o papel da economia offshore nas suas análises. O que está por trás e a incapacidade de explicar o movimento "escada acima" de capitais dos países pobres para as nações ricas, a despeito das previsões das suas teorias económicas (Guha; Briscoe, 2006, p. 11). O risco político ou a perspectiva de crises financeiras podem ser as causas primárias da fuga de capitais. Porém, o status de isenção cria forte incentivo para que os ricos detentores de activos domésticos dos países em desenvolvimento mantenham esses activos offshore. Ao fazer isso de forma anónima, podem proteger sua riqueza da desvalorização das moedas e dos impostos.
No entanto, nem todo o capital que deixa os países em desenvolvimento permanece fora. Uma parte volta disfarçada como investimento estrangeiro directo. Isso acontece porque os valores que saíram na fuga de capitais são remoldados num centro offshore durante o processo de lavagem, antes de serem reinvestidos no país de origem - processo denominado de "viagem de ida e volta". O tratamento preferencial oferecido a muitos investidores estrangeiros é um incentivo a esse processo.
Em Marco de 2005, a Rede pela Justiça Fiscal publicou um documento intitulado The price of offshore, no qual estimava que a riqueza privada mantida em centros offshore por indivíduos ricos, em grande parte não declarada no pais de residência, era de cerca de 11,5 biliões de dólares. O documento calculava que o rendimento mundial sobre esses activos não declarados era de, aproximadamente, 860 mil milhões anuais, e que a receita fiscal mundial perdida desse rendimento não declarado era de quase 255 mil milhões anuais. Essa cifra, que consideramos conservadora, teve enorme cobertura dos média desde a sua publicação. Ultrapassa significativamente o montante anual de recursos necessários para financiar as Metas de Desenvolvimento do Milénio
(MDMs) das Nações Unidas (Haarbrink OC 2007). Embora a maior parte desses 11,5 biliões de activos não declarados seja originária dos países desenvolvidos, proporção significativa provem dos países em desenvolvimento. Por exemplo, estima-se que mais de 50% dos títulos e das acções cotadas na bolsa de valores de propriedade de indivíduos ricos da América Latina estão em centros offshore (Boston Consulting Group, 2003). Os dados para a África são escassos, mas a maioria dos(as) analistas supõe que a proporção seja comparável à da América Latina ou superior.
A queda das receitas fiscais nos países em desenvolvimento tem estimulado um círculo vicioso de declínio dos investimentos em capital humano necessários para criar um ambiente atractivo, tanto para investidores nacionais como para estrangeiros. Num relatório de 2006 sobre a América Latina, o Banco Mundial argumentava que os governos deveriam dar prioridade aos gastos com infra-estrutura, que provavelmente beneficiariam as pessoas pobres, e aumentar as despesas com educação e saúde.
Na prática, grande proporção dos gastos públicos na América Latina está distorcida a favor das pessoas com posses e os governos estão a arrecadar pouquíssimos impostos, especialmente dos ricos. O relatório do Banco Mundial concluiu que "na frente fiscal, os primeiros itens da agenda devem ser o reforço dos programas contra a sonegação de impostos e o enfrentamento dos altos níveis de isenções" (Perry et al., 2006, p. 101).
Acorde, sociedade!
Em Abril de 2007, em Londres, apresentei uma palestra numa sessão parlamentar sobre o tema "Por que os doadores de ajuda temem os impostos?". Foram dadas várias razões, incluindo a complexidade da questão e os temores sobre o futuro das economias de algumas pequenas ilhas, dependentes do seu papel como paraíso fiscal.
No entanto, outros factores também foram citados: algumas agências de ajuda estarão comprometidas pelas suas relações com governos poderosos? São algumas delas demasiado vinculadas aos interesses corporativos? Quaisquer que sejam os motivos, é surpreendente que tenha demorado tanto para que esses temas se tornassem foco de atenção da comunidade do desenvolvimento. A maior parte dos problemas esboçados pode ser corrigida pelo fortalecimento da cooperação internacional. Um intercâmbio de informação eficaz entre as autoridades nacionais seria um grande passo para superar os problemas da fuga de capitais e da sonegação fiscal.
As barreiras criadas pelo sigilo bancário poderiam ser superadas por cláusulas de anulação embutidas nos tratados internacionais. O segredo dos fundos offshore poderia ser reduzido pela exigência de registro das informações principais sobre a identidade do administrador e das pessoas beneficiadas. Não há razão para quem beneficia do privilégio de usar empresas e fundos não aceitar a obrigação de fornecer informações básicas sobre as suas identidades.
Acordos poderiam ser feitos sobre marcos internacionais para taxação das multinacionais com base no lugar onde realmente os seus lucros são gerados. Políticas como essas poderiam ser implementadas em prazos relativamente curtos. A principal barreira para avançar na consecução dessas metas é a falta de vontade política dos governos das principais nações da OCDE, principalmente Suíça, EUA e Reino Unido - todos eles importantes paraísos fiscais.
O compromisso com a globalização passa pelo comércio liberalizado nos seus próprios termos. Mas incentivos fiscais continuam a ser utilizados para distorcer o sistema comercial a favor de empresas nacionais e para atrair capital dos países em desenvolvimento e dos emergentes.
O debate sobre o desenvolvimento e a pobreza persistente passa por grande mudança. Activistas das campanhas começam a olhar para além da dependência da ajuda e do alívio da dívida - com todas as condicionalidades associadas - e a perguntar sobre os recursos domésticos dos países em desenvolvimento.


in: http://www.esquerda.net/dossier/paraísos-fiscais-e-corrupção-–-uma-luta-global
 
Relativamente à verdadeira economia paralela não se faz nada.. Mais facilmente escapam milhões à tributação enquanto se esmifram os tostões daqueles que apenas sobrevivem e lutam diariamente contra as adversidades..
 

EXAUSTO

New Member
Nada que não fosse previsível à 30 ou 35 anos atrás, tendo em conta o naipe de individualidades e suas doutrinas que nos iriam governar.Gatunos ,corruptos e incapazes !
 

ignite

Member
É verdade... Portugal celebra Abril quando vota nos ex-PIDE e afins para governar.
Este mundo baralha-me.

Mesmo quando há alternativa, o que quer que isso signifique, as pessoas continuam a votar nos mesmos. Já tenho ouvido no metro "o nosso sócrates é q era...".
 
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