Já com algum atraso (o empeno foi grande), aqui fica o relato do Raide, vista de fora (como organizador) e de dentro (como participante).
Dia 0:
Foi o dia mais difícil dos 3. Felizmente tirei a tarde de férias e mal sai do trabalho começou a correria. Um almoço rápido e 1ª paragem na Ciclonatur, para ir buscar o material suplente de apoio ao Raide. A 2ª paragem no Aki para comprar zip-ties, a 3ª paragem em Benfica, na Pastelaria Nilo (onde trabalha o meu pai) para ir buscar caixas de cartão para proteger as bikes no regresso. Por fim, ir à FPCUB imprimir e plastificar os dorsais e as etiquetas da bagagem, além de combinar os últimos detalhes. Ufa!
Ainda faltava arrumar tudo dentro do carro. O que vale é que a mala parece que estica e lá coube a tralha toda! Com tudo isto só me deitei depois da meia-noite, para acordar às 5:30. Vida dura esta
.
Dia 1:
O nervoso da partida.
Tínhamos encontro marcado em Setúbal às 7:00, metemos o material todo na pick-up e fomos apanhar o ferrie das 7:15. No ferrie havia 2 tipos de fauna bem distintos: os trabalhadores da construção civil dos empreendimentos de Tróia e uns tipos com ar estranho, todos vestidos com uns calções de licra pretos e uma camisolas coloridas. Mas não estamos em Dezembro nem têm pneus finos, não deve ser o Tróia-Sagres versão primaveril!
Felizmente os nossos contactos com o São Pedro funcionaram bem e a chuva prometida estava longe do horizonte. O ambiente era de festa e ansiedade. Aproveitamos o tempo da viagem para ir conhecendo os participantes (se bem que grande parte eram velhos amigos destas andanças) e distribuir os dorsais.
À saída do ferrie instalamos a confusão! Bicicletas por todo o lado, o camião a receber a bagagem, toda a gente a acabar de preparar-se para a grande aventura. Havia problemas de ultima hora com o GPS, pois trabalhar com a caixinha ainda era novidade para alguns dos participantes. Eu apanhei um grande susto, pois perdi o meu saco de bagagem. Felizmente alguém já o tinha atirado para dentro do camião, e lá apareceu no fundo atrás de todos os outros.
Faltava ainda uma equipa. Costuma-se dizer que quem está mais perto é o ultimo a chegar, e a regra confirmou-se. Faltavam os OTT 4, que ficaram a dormir em Tróia. Mas estavam perdoados, tinham vindo do norte no dia anterior! Lá apareceram, foi feito um pequeno briefing e rumámos a Sul!
Aquecimento à la Tróia-Sagres
Como tínhamos 6 guias, ficamos divididos em 3 grupos. À frente, por serem os mais rápidos, os Super-Travesseiros (para quem não sabe o que isto quer dizer, vão participar no TransPortugal organizado pela Ciclonatur –
www.supertravessia.com) Jorge Manso e Cláudio Nogueira. Numa posição intermédia, o Pedro Roque e eu. Atrás, a fechar a caravana, a Marta Vieira e o Luís Triguinho, que esteve no estaleiro e queixava-se que estava a andar pouco e gordo. Pois, pois…
Deixamos partir o pelotão e seguimos. Apesar do alcatrão, é uma zona bonita, ali entalada entre o rio à esquerda e o mar à direita. Pena não haver um trilho com o piso duro, pois com 140 km pela frente não se pode desperdiçar energias a patinar na areia. Mas é uma forma de relembrar os já muitos Tróia-Sagres em que participei e constatar a diferença que fazem os pneus finos naquele piso.
No mundo do arroz
Rapidamente se chega à Comparta, onde íamos aproveitar o troço da Vala Real para sair um pouco do asfalto e pedalar pelos famosos arrozais. Aproveitei para parar e besuntar-me com o protector solar, porque o Sol já queimava.
A pequena paragem foi suficiente para que quem vinha atrás nos apanhasse. Passaram os OTT4, os Alfa e os Averisbike. Os Averisbike tiveram um problema com o GPS e vinham à boleia dos Alfa, disseram que iam continuar com eles. Tivemos que os avisar para não o fazer, pois os Alfa poderiam também chamar-se TGV, pois também estavam a treinar para a TransPortugal, ainda vinham a aquecer!!
Como o Triguinho afinal se andava a queixar de excesso de peso sem razão, trocamos de equipa, indo ele com o Pedro Roque e ficando eu atrás com a Marta. Um pouco mais à frente estavam os Raposa do Mato parados com um furo, pronuncio do que se iria passar no dia a seguir.
Este pequeno troço entre a Comporta e o Carvalhal não tem dificuldades de maior (é um estradão completamente plano), mas ainda bem que é assim, para se poder apreciar a paisagem. Pedala-se entre um canal de água e os campos de arroz, que vão mudando de aspecto conforme a época do ano. À direita temos uma duna com pinheiros e outras árvores de grande porte, que protege esta estreita faixa de terreno da força do mar. Olhando para cima, temos o céu repleto de pássaros de todos os tamanhos, que aproveitam os arrozais para se alimentar, numa feliz comunhão homem-fauna.
Mais um pouco de asfalto…antes da planície enrugada.
Ao chegar ao Carvalhal, retoma-se o asfalto até Melides, pois a areia nos trilhos tornam a progressão da bicicleta quase impossível. É uma estrada que é sombreada por pinhais e também plana, pelo que se chega depressa a Melides, onde verdadeiramente vão começar as dificuldades.
Ao passar pelo Carvalhal vi os Averisbike parados na Junta de Freguesia. Tentavam carregar o track no GPS, mas infelizmente não é assim tão simples, pois é necessário instalar software no PC. Tiveram então que seguir connosco.
Alentejo plano…onde???
Os Averisbike foram um pouco à nossa frente, mas quando chegamos a Melides eles ainda estavam lá, pois muitas equipas pararam no café para repor as energias. Já tínhamos percorrido 45 km! A Marta estava a ter algumas dificuldades em ganhar ritmo, pois dormir pouco para ela é demolidor. Ainda por cima estávamos a entrar na parte mais difícil do percurso.
É uma zona de serra, onde se passam barrancos atrás de barrancos. A Marta vinha cansada, fazia as subidas devagar mas o pior mesmo eram as descidas, onde era preciso força para segurar a bicicleta e reflexos rápidos para fugir das pedras. Chegou a considerar ir para o jipe dormir um bocado e continuar mais à frente, mas como vinham 2 pessoas na viatura, tinha que ir encaixada no lugar do meio, achou que não ia conseguir descansar!
Mas devagarinho lá foi passando barranco atrás de barranco. Parámos um pouco e comeu uma barra de doce e uma banana, que um pouco mais à frente começaram a fazer efeito. Os barrancos também foram ficando mais suaves pelo que o pior já tinha passado, começamos a pedalar a bom ritmo.
Já a chegar a Santiago do Cacém a fome também começou a apertar comigo. Comecei a dizer que ia parar para comer todas as porcarias a que tinha direito, uma bifana cheia de mostarda, uma coca-cola e batatas fritas. Aí a Marta meteu o turbo e começou a pedalar ainda mais rápido, estava a ver que era eu que ficava para trás! A fome faz milagres!
Restaurante Carapinha, as melhores bifanas de Santiago do Cacém
Quando chegamos a Santiago do Cacém parámos no Restaurante Carapinha, o primeiro tasco que aparece no caminho! Afinal não estávamos assim tão atrasados, ainda lá estavam a acabar de comer umas bifanas em pão alentejano com aspecto delicioso os KedasBike e os Raposas do Mato.
Comemos todas as porcarias a que tínhamos direito e ainda comprei um chocolate que se revelou muito útil mais lá para o fim do dia. Sobe também no final do dia que a bifana vinha em pão alentejano porque as carcaças tinham acabado. Devia ser considerado crime desperdiçar uma bifana daquelas com uma carcaça, havendo um pão alentejano tão bom!
A caminho do Paiol, às curvinhas pela serra
Mal saímos das bifanas encontramos os Raposas do Mato a encher os pneus numa bomba de gasolina, pelo que fomos juntos com eles até à Soneca. Descobrimos que o irmão gémeo de uma das raposas é colega de faculdade da Marta. Como o mundo é pequeno!
O percurso até à Soneca não tem dificuldades de maior, mas vai moendo aos poucos. É um percurso muito belo, no meio dos sobreiros e das azinheiras, ora sobe, ora desce, ora sobe mais um pouco. Um pouco antes de se chegar à Sonega passa-se a barragem de Morgavel pelo paredão, uma bela albufeira onde sopra sempre algum vento. Depois até à Sonega sobe-se mais um pouco, pelo que a chegada à aldeia é sempre um bom pretexto para comer alguma coisa e repor energias.
A serra vista da planície
A Sonega marca uma transição na paisagem, pois a partir de agora passa-se a circular entre campos agrícolas completamente floridos nesta época do ano. É um tapete colorido que ondula ao sabor do vento, como se estivesse vivo!
A bifana continuava a fornecer energia, a Marta pedalava a bom ritmo apesar dos já muitos quilómetros efectuados. No entanto com a paragem na Sonega deixamos de ver os Raposas do Mato e os KedasBike.
Ao chegarmos mais perto da Serra do Cercal apanhamos um estradão que é uma autêntica AE, óptima para ganhar velocidade e avançar uns bons quilómetros sem grande esforço.
Após passarmos a estrada N390 acabam as facilidades, fazemos uma descida cheia de pedra até passarmos a ribeira do Corgo. Como quem desce, sobe, do outro lado temos de trepar também no meio da pedra, num local onde só os mais fortes não desmontam.
Rapidamente se chega à estrada N532, que se atravessa para entrar num estradão no meio dos restos de um eucaliptal cortado este ano. Já começa a cheirar a Odemira!
Odemira a aproximar-se e as forças a esgotarem-se
Após o estradão no meio do ex-eucaliptal chega-se a Troviscais e a partir daí o percurso é quase todo em alcatrão. E que bem que sabe o alcatrão depois de tantos quilómetros, quando já só se pensa em chegar e tomar um belo banho! Mas as dificuldades não se afastaram, pois a falsa planície alentejana faz mossa e qualquer pequena subida já parece uma montanha de 1º categoria.
Fui numa dessas “montanhas” que encontramos os KedasBike, a depenar uma nespereira! Quando parei ouvi o dono da nespereira a gritar de casa: “Já chega! Já chega!” A fome é negra!
Chegamos à estrada principal para Odemira, a N120. Estava prometida uma valente descida até à ribeira do Torgal, mas a gravidade deve ter tido algum problema e afinal só apareciam subidas, a parte a descer deixou muito a desejar…
Depois de passar a ribeira já faltava pouco. A Marta já tinha gasto as reservas todas, vinha em serviços mínimos. Eu tentava incentiva-la, mas não tive grande sucesso. Já não fizemos um pequeno desvio por terra do lado direito (será que alguém fez?) e chegamos ao pavilhão por volta das 20:00, 140 km depois.
Que grande jornada de BTT. E amanhã há mais!
Em breve o relato do 2º dia.
Rui Sousa