O recrutamento tinha sido anunciado nas respectivas juntas de freguesia mas as mais altas patentes foram sucessivamente expostas a imprevistos pessoais que incluíram, no meu caso, algum tipo de enterovirus de sexta-feira. Quando arranquei no Sábado, não tinha planeado qualquer assalto nem me imaginava juntar a qualquer pelotão. Um dia frente à lareira era tudo quanto ambicionava. Não sei se terá sido do ibuprofeno ou apenas de ver amanhecer um lindíssimo dia, o certo é que liguei, já próximo de Braga, ao jovem Domingos a perguntar se ainda havia planos. Apesar das diferenças de patente, o homem lá me ordenou que fosse fazer a formatura a Pico de Regalados onde outro soldado estava, também, aquartelado. Das primeiras conversas com este novo recruta fiquei a saber do seu escárnio por estas cousas do Forum pelo que omitirei o seu nome. Ficará apenas o Sr. J, um jovem quarentão de humor refinado e agreste.
A partida deu-se atrasada pois os meus companheiros estavam, ainda, regalados com um pequeno almoço que, esperavam, viesse atenuar as dificuldades da noitada anterior. A culpa teria sido de um tal de morangueiro, bebida proibida por lei e que terá escapado ao crivo fino da ASAE. Lá arrancámos a custo em direcção ao monte de S. Pedro de Fins, por trilhos já anteriormente relatados nestas páginas.
A subida foi feita calmamente, num ritmo lento, mas sem paragens. Os meus companheiros são apreciadores da palavra falada e ouvi histórias sobre grandes épicos pedalísticos à volta de Portugal. Lá no cimo, além de uma bucha, preenchemos o tempo a aquecer os pés que estavam já insensíveis de tão gelados. Seguimos ao longo da cumeada com uns trilhos técnicos que se revelaram mais traiçoeiros que de costume pois o gelo que se forma na terra solta dos caminhos forma uma crosta arejada e frágil onde as rodas decidem por trajectos completamente caóticos.
Mais à frente engatámos na Via Nova que percorremos até S. Sebastião. A ideia era fugir da Geira o mais cedo possível pois a quantidade de água era muita e pés molhados num dia como aquele, com temperaturas próximas de zero, seriam uma condenação ao sofrimento que não se deseja ao mais pecador dos beberolas.
Deste modo, aproveitámos o asfalto número 535 para subir o monte de Santa Isabel. Há muito que tinha vontade de trepar a Santa Isabel…
Inicialmente, a estrada tem um declive inteligente mas a segunda metade é cruel de tão prolongada e inclinada. Custou-me. A caganeira do dia anterior tinha-me limitado as refeições a um espartano jantar e o corpo não tinha nada para dar. Já o Sr. J queixava-se dos excessos e confessava, como se de uma extrema unção se tratasse, que ainda tinha enfiado dois bagaços para o ajudar a dormir na sua carripana gelada. Devagar, lá se chegou ao topo da Santa.
E que raio de frigidez tinha ela para nos oferecer. Rapidamente fizemos um balanço da situação. Para não ter que descer, subir, descer, etc, etc. caso seguíssemos para Santa Maria de Bouro, resolvemos voltar atrás e engatar num estradão que nascia perto do final da estrada. E em boa hora o fizemos. Uma sequência de estradões e caminhos, inicialmente mantendo-se na mesma cota, terminando com um gran finale técnico, encheu-nos as medidas.
Assentámos arraiais em Assento, numa tasca manhosa onde solicitámos produtos alimentares variados e três malgas de um morangueiro que nos fez voar de volta ao Pico. Pessoalmente, sentia como se largasse labaredas da boca sempre que expirava, qual dragão de duas rodas.
Deixei os meus colegas de pedal prontos, com certeza, para mais uma sessão prolongada de comes e bebes e fui descongelar o esqueleto para a frente da lareira, cumprindo finalmente o meu primeiro objectivo desse dia.