Dia de frio no escritório

Mangelovsky

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Passei um dia no trabalho cheio de frio, porque quando vinha de manhã (de bicicleta) fiz uma corrida com um senhor que me passou.
Faz parte da cultura ciclística do Porto e é uma regra não escrita, que se dois ciclistas que viajam na mesma direção se cruzam, têm que competir entre si para se determinar qual é o mais rápido.
E não é uma competição de força pura. É preciso enganar o outro ciclista e convencê-lo que somos mais fortes, mesmo que não seja esse o caso. É uma arte que leva anos a ser dominada. Se virmos alguém, nem que velho, mulher ou criança. Aqui, temos que o ultrapassar.

Eu e o senhor encontramo-nos no cruzamento da Areosa e eu passei primeiro. Imediatamente comecei a ouvi-lo a rolar atrás de mim.

Assim que começou a primeira subida, ele passou-me porque eu perdi velocidade.

Manda a etiqueta que se facilite a primeira ultrapassagem, porque o outro ciclista pode não estar interessado em competir (se for de fora do Porto, pode não saber as regras).

Nesta altura tive a oportunidade de completar a minha avaliação do adversário, embora já o tivesse começado a fazer quando o vi no cruzamento. Ele estava equipado com uma bicicleta de montanha de de gama média de fabrico recente (travões de disco e mudanças SRAM), com pneus de estrada, ou pelo menos com aspeto de serem bons roladores e vestido de lycra com capacete e pedais de encaixe.Eu por minha vez, tinha a minha pasteleira Peugeot, de cujo inventário dos alforges constava um computador e respectivo transformador, dois discos externos, um cadeado em espiral, dois tupperwares com o meu almoço, uma garrafa de 1,5 litros de água e equipamento de futebol e sapatilhas. Concluí por isso que a competição iria ser dura, mas equilibrada.

Após ter permitido a ultrapassagem na subida, mantive-me na roda dele. Faz parte da boa estratégia escolher o momento certo para a ultrapassagem. O importante não é apenas ultrapassar, mas também convencer o adversário de que é incapaz de acompanhar o nosso ritmo.

Por isso aproveitei o momento em que ele acelerou para ultrapassar um autocarro na paragem. Acelerei ainda mais e passei-o a ele e ao autocarro. Depois continuei à mesma velocidade.
Achei que ia ser suficiente para o homem desarmar, mas ele era duro. Continuou a seguir colado a mim.

Passado algum tempo ele volta a ultrapassar-me. Desta vez não facilitei, mas ele conseguiu na mesma. Colei-me à roda dele à espera do momento certo para voltá-lo a passar.

Estávamos na Rua Costa Cabral em direção à praça do Marquês. Ao chegar à praça eu tinha que virar à direita. Achei que provavelmente ele não iria seguir o mesmo caminho que eu, por isso estabeleci como meta mental a praça. Nesta altura também já comecei a transpirar com abundância e por isso decidi não me conter e atacar com tudo. “Se chegar primeiro ao Marquês ganhei”, pensei eu.

Ultrapassei-o outra vez. A Peugeot tem cabos de mudança velhos, por isso as mudanças não entram rápido, e frequentemente tem que se fazer truques, do género de meter duas e tirar uma.

Por isso o momento da ultrapassagem não foi o ideal. Ele pressentiu-a e acelerou também. Eu esforcei-me ainda mais e passei para a frente. Consigo ouvi-lo atrás de mim a meter mudanças à bruta também.
O mal da ultrapassagem ter sido denunciada, é que agora para me manter na frente tinha que ir tão rápido que mal conseguia respirar.

Cheguei ao Marquês primeiro e fiz a curva à direita bastante rápido. Recorde pessoal no segmento do Strava alcançado, com a mais pesada das minhas bicicletas! Achei que já tinha ganho a coisa e vou pela rua da Constituição abaixo a acalmar o ritmo, quando volto a ouvi-lo atrás de mim.

Volto a acelerar, mas logo a seguir tenho que abrandar por causa de um cruzamento. Quando volto a tentar ganhar velocidade, a carga toda que levo na bicicleta permite que ele seja mais rápido. Gradualmente, ele ganha distância e eu já não tenho pulmões para ir atrás dele. Tento ainda assim acelerar mais uma vez, mas o piso nesta rua está péssimo. A roda da frente pincha nas irregularidades do asfalto e da traseira vêm ruídos ameaçadores dos alforges a tocar na roda. Lembrando-me que não trazia comigo nem bomba nem câmara suplente, decidi atirar a toalha ao chão…

Entretanto há uma descida que termina num cruzamento com semáforos e o senhor parou.
Nesse cruzamento eu tenho que virar à esquerda, por isso a corrida acabou. Mandam as regras que eu o cumprimente pela vitória e eu assim fiz. E ele diz:

"Vim atrás de si e agora não sei onde estou. Eu tinha que ir para o centro de Gaia!"
 

TiagoMAIAC

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Oh pah.... muita bom.

O fim é a cereja em cima do bolo mas os 2 Tupperwares merecem a menção de honra.
Só quem faz Casa-Trabalho de bicicleta fica com historias destas para contar.

Parabéns, continua!
 

zdruga06

Member
Muito bom.
Histórias dessas não contecem todos os dias.
Mas olha que não é só no Porto que existem essas regras de conduta ciclista. Na zona Oeste também se vê o pessoal a acelerar se vão no mesmo sentido. :D
 

ny12xx

Super Moderador
Companheiro

Muito bom!

Só faltava mesmo era o teu oponente ser também aqui NOSSO companheiro...

Um abraço

ny12xx
 

shifTTer

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que bom... fartei-me de rir!

Acho que teremos de importar aqui para lisboa esta pratica portuense. quem sabe se nao será uma forma de chegar mais rapidamente ao trabalho.

Obrigado pela deliciosa partilha!

abraço e boas pedaladas;)
 

ktm excr

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Fantástico, o que eu já ri.
Espelha os valores elevados de testosterona "maluca" que há em cada um de nós, quem é que já não fez uns Kmzinhos a mais para n ficar mal visto:D:D.
 

pedro30

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demais demais......:p

faz-me lembrar quando vou para o mato de manhã na minha cabra do monte e chego a casa a pressa e tomo banho e vou trabalhar de calças de ganga sapatilhas e casaco,numa btt toda badalhoca cheia de lama.....
por vezes aconteçe o seguinte:um "artista com roupa "normal" numa bike toda badalhoca a malta olha e pensa:eek: gaijo gamou a bike de certeza hi hi hi
ou então por vezes vou a areosa ou a rio tinto ou por esta zona tambem,e e vou na bike ,mais uma vez sem estar equipado,e passam aqueles "corredores" e depois uma pessoa cola na roda e é o catano para despregarem um homem da roda hi hi hi mas é muito salutar esta picardia,e é mesmo como dizes ,há sempre aquela coisa de eu quero chegar a frente :fpalm:
muito bom mesmo este é o espirito das bikes e muita malta nem imagina o que é usar a bike como meio de transporte no dia dia na cidade,vivemos experiências que dentro de um carro no transito nem se imagina......
grande abraço e continuação de boas pedaladas
 
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