lobo solitario
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Trajectos de 100 Km estão frequentemente associados à noção de Maratona. No entanto, uma Maratona é, muitas vezes, uma prova desportiva. Como não tenho qualquer espírito competitivo e um colega me perguntou se eu realmente gostava de circuitos de 100 Km ou se era, simplesmente, masoquista, dei comigo a meditar o que esses trajectos têm de especial para mim. Ao contrário de muitos trajectos de maratonas que tenho visto, os circuitos que idealizo são espalhados o mais possível na geografia de uma região em vez de serem um rendilhado de caminhos numa área reduzida. Penso que o que me fascina se relaciona com a sensação de viagem que os tais 100 Km possibilitam. Desde a primeira vez que me juntei ao António Malvar para uma travessia de Portugal que fiquei fascinado com essa sensação de viagem. Claro que, num circuito fechado, em que se retorna ao ponto de partida, são necessários muitos Km para se ter a ilusão de que se viajou por um território vasto. Aqui no Norte, isso implica aceder a vários montes ou serras num perímetro o mais alargado possível. Com esta filosofia, vasculhei a minha gaveta de tracks e propus um “passeio viagem” ao JAP. Sairíamos de Salamonde, subindo a Cabreira, visitando os contrafortes do Barroso e regressando pela periferia do Gerês. Fiz algum desenho virtual com base em cartas 1:25 000 e meti tudo no GPS.
Este sábado marcámos a partida do Porto para as 8h30 mas, com os atrasos de quem “o que realmente lhe apetecia era ficar no choco”, partimos meia hora mais tarde. Assim, só pelas 10h30 é que arrancávamos de Salamonde, junto ao seu cemitério, sobranceiro à aldeia.
A primeira fase do trajecto era-me muito familiar: a subida ao alto da Vaca (celebrizada num relato do Indy aquando da Travessia do Dragão) seguida da subida ao Talefe e, finalmente, a descida para o Salto. Gostei de dominar a Vaca sem qualquer penalização técnica mas com muita falta de ar. O JAP também lá chegou ao cimo, fresquinho…
Quanto à subida ao Talefe, escolhi um caminho pedregoso aos zig-zags que não consegui fazer sem desmontar numa curva mais desfeita. Durinho...
Lá em cima recordei alguns comentários do relato do Indy, nomeadamente umas referências à falta de alimento como desculpa do empeno que esta Cabreira pode dar. Lá do alto dava para ver o vale do Rabagão com a barragem de Venda Nova em primeiro plano e a de Pisões mais ao fundo…
A descida escolhida foi um caminho que tinha feito há tempos mas que desta vez se encontrava em excelentes condições e permitiu uma rápida descida entre bosques de coníferas...
Nos estradões até ao Salto
ainda cumprimentámos aquela escultura insólita que alguns apelidam de “o índio”, esculpida num penedo perdido ao pé do caminho…
No restaurante Borda d’Água comemos uma rica sopinha e um pão com umas fatias de vitela barrosã. Ficou uma certa sensação de insatisfação pois o prato do dia era a deliciosa posta mirandesa. No entanto, ainda só tinhamos 33 Km e 1000 m de acumulado e faltava muito terreno para percorrer. Barriga cheia não iria ajudar...
A segunda fase era-me já desconhecida e baseava-se em registos do Indy, por sua vez presumivelmente copiados de um passeio da Velocipedia (autoria do JMoniz???). Este trajecto percorre terras barrosãs, embora ainda na periferia desta serra. Avistámos, então a albufeira da barragem da Venda Nova e deliciámo-nos com uma série de trilhos magníficos ao longo das encostas.
Depois de cruzar o Rabagão, no local onde nasce a dita albufeira,
suspeitei que as coisas não iriam ser fáceis. De facto, começou uma interminável subida, de piso irregular, debaixo de uma temperatura anormalmente alta para este início de primavera. Umas mosquinhas irritantes voltejavam à volta da cabeça, sequiosas do suor que escorria abundantemente (sou muitas vezes gozado pelo JAP pela presença constante de uma gota de suor na ponta do meu nariz!). Mas como todos os que fazem BTT sabem, a seguir ao sofrimento da subida... vem o gozo de mais outra subida. Só depois, mesmo, é que vem a tal descida que tanto ansiámos. E, assim, descemos a grande velocidade para a nossa segunda barragem, a da Paradela. Depois de a cruzar, entrámos no Gerês.
A terceira fase do passeio foi a mais conturbada. Era área incógnita, com tracks desenhados sobre a carta do exército, com o relevo impossível da serra do Gerês. Havia asfalto suficiente para fazer uma passagem mais suave mas, a dada altura, houve a hipótese de sair para um estradão que subia para o miolo da serra mas que, segundo as cartas, teria um caminho a ligar mais à frente à estrada. De facto, depois de subir, e exactamente onde tinha marcado, estava uma zona relativamente pouco arborizada que parecia ligar a qualquer coisa que poderia ser um caminho razoavelmente bem definido, visível lá ao fundo da encosta.
Lá nos atirámos à descida que consistia em pedras, calhaus, pedregulhos, carqueja, superfícies de granito degradado que se esboroavam como broa, etc, etc, etc. Lá conseguimos fazer quase tudo montados até que, na beira de um rego, a bicicleta me foge debaixo do corpo. O tal granito desfez-se e entrei em contacto com os cristais de ortóclase e quartzito que decoraram a minha pele com estrias vermelhas de sangue e manchas violáceas. No final, quando o JAP se aproximou, levantei o antebraço direito, mostrando as mazelas, numa atitude de admissão de azelhice. Ao cumprimento, ele respondeu levantando o seu antebraço direito, decorado com o mesmo motivo sanguinolento. Na sua versão, a culpa foi da carqueja e do buraco que escondia.
Este acontecimento e uma falha no track virtual (o caminho não estava mesmo lá ou era aquela coisa lá ao fundo do vale que subia e descia como corta-fogos) determinaram a atitude e decisões no restante do circuito. Uma dor no polegar direito, resultante de uma qualquer luxação ocorrida na queda recente, tornava-me o fora-de-estrada mais técnico muito doloroso. Começamos a optar por estrada e a discutir como voltar a Salamonde. Creio que os nossos cérebros já não tomavam as decisões mais acertadas e acabámos por fazer opções estranhas. Contudo, e com certeza com muita sorte, acabámos por ligar a um ponto que eu tinha querido visitar de modo muito particular: a ponte da Misarela ou ponte do Diabo. Por ali perto passava o caminho romano que liga Braga a Chaves e a ponte terá servido para as tropas de Proust em fuga do exército inglês. Um local magnífico e mágico que recomendo que visitem. A lenda diz que foi “feita” pelo Diabo a pedido de algum desgraçado que fugia de alguém e logo destruída para impedir a passagem do perseguidor. Um padre, mais tarde, também encomendou a sua (re)construção ao Belzebu e, procedendo à sua bênção fez com que o Diabo rebentasse (parece-me um pouco injusto, dado o trabalho todo que o cornudo tinha tido…)
Um track que tinha encontrado (já não me lembro da origem, mas será também do JMoniz??) seguia, então, ao longo da barragem de Salamonde e teria sido a escolha lógica. No entanto, preferi ir por asfalto para não ter problemas com o polegar. Isso fez com que tivessemos que retroceder até à barragem da Paradela numa subida longa que terminava na estrada que vem de Chaves e nos levou rapidamente até Salamonde. Chegámos ouvindo a torre da igreja dar as oito horas e com os últimos raios da luz do Sol a espreitar por detrás do maciço granítico da serra do Gerês. Tinhamos viajado 103 Km, feito trilhos técnicos com fartura, corrido 3 serras, visitado 3 barragens, e acumulado 2700 m de subidas. Foi uma boa viagem...
Este sábado marcámos a partida do Porto para as 8h30 mas, com os atrasos de quem “o que realmente lhe apetecia era ficar no choco”, partimos meia hora mais tarde. Assim, só pelas 10h30 é que arrancávamos de Salamonde, junto ao seu cemitério, sobranceiro à aldeia.
A primeira fase do trajecto era-me muito familiar: a subida ao alto da Vaca (celebrizada num relato do Indy aquando da Travessia do Dragão) seguida da subida ao Talefe e, finalmente, a descida para o Salto. Gostei de dominar a Vaca sem qualquer penalização técnica mas com muita falta de ar. O JAP também lá chegou ao cimo, fresquinho…
Quanto à subida ao Talefe, escolhi um caminho pedregoso aos zig-zags que não consegui fazer sem desmontar numa curva mais desfeita. Durinho...
Lá em cima recordei alguns comentários do relato do Indy, nomeadamente umas referências à falta de alimento como desculpa do empeno que esta Cabreira pode dar. Lá do alto dava para ver o vale do Rabagão com a barragem de Venda Nova em primeiro plano e a de Pisões mais ao fundo…
A descida escolhida foi um caminho que tinha feito há tempos mas que desta vez se encontrava em excelentes condições e permitiu uma rápida descida entre bosques de coníferas...
Nos estradões até ao Salto
ainda cumprimentámos aquela escultura insólita que alguns apelidam de “o índio”, esculpida num penedo perdido ao pé do caminho…
No restaurante Borda d’Água comemos uma rica sopinha e um pão com umas fatias de vitela barrosã. Ficou uma certa sensação de insatisfação pois o prato do dia era a deliciosa posta mirandesa. No entanto, ainda só tinhamos 33 Km e 1000 m de acumulado e faltava muito terreno para percorrer. Barriga cheia não iria ajudar...
A segunda fase era-me já desconhecida e baseava-se em registos do Indy, por sua vez presumivelmente copiados de um passeio da Velocipedia (autoria do JMoniz???). Este trajecto percorre terras barrosãs, embora ainda na periferia desta serra. Avistámos, então a albufeira da barragem da Venda Nova e deliciámo-nos com uma série de trilhos magníficos ao longo das encostas.
Depois de cruzar o Rabagão, no local onde nasce a dita albufeira,
suspeitei que as coisas não iriam ser fáceis. De facto, começou uma interminável subida, de piso irregular, debaixo de uma temperatura anormalmente alta para este início de primavera. Umas mosquinhas irritantes voltejavam à volta da cabeça, sequiosas do suor que escorria abundantemente (sou muitas vezes gozado pelo JAP pela presença constante de uma gota de suor na ponta do meu nariz!). Mas como todos os que fazem BTT sabem, a seguir ao sofrimento da subida... vem o gozo de mais outra subida. Só depois, mesmo, é que vem a tal descida que tanto ansiámos. E, assim, descemos a grande velocidade para a nossa segunda barragem, a da Paradela. Depois de a cruzar, entrámos no Gerês.
A terceira fase do passeio foi a mais conturbada. Era área incógnita, com tracks desenhados sobre a carta do exército, com o relevo impossível da serra do Gerês. Havia asfalto suficiente para fazer uma passagem mais suave mas, a dada altura, houve a hipótese de sair para um estradão que subia para o miolo da serra mas que, segundo as cartas, teria um caminho a ligar mais à frente à estrada. De facto, depois de subir, e exactamente onde tinha marcado, estava uma zona relativamente pouco arborizada que parecia ligar a qualquer coisa que poderia ser um caminho razoavelmente bem definido, visível lá ao fundo da encosta.
Lá nos atirámos à descida que consistia em pedras, calhaus, pedregulhos, carqueja, superfícies de granito degradado que se esboroavam como broa, etc, etc, etc. Lá conseguimos fazer quase tudo montados até que, na beira de um rego, a bicicleta me foge debaixo do corpo. O tal granito desfez-se e entrei em contacto com os cristais de ortóclase e quartzito que decoraram a minha pele com estrias vermelhas de sangue e manchas violáceas. No final, quando o JAP se aproximou, levantei o antebraço direito, mostrando as mazelas, numa atitude de admissão de azelhice. Ao cumprimento, ele respondeu levantando o seu antebraço direito, decorado com o mesmo motivo sanguinolento. Na sua versão, a culpa foi da carqueja e do buraco que escondia.
Este acontecimento e uma falha no track virtual (o caminho não estava mesmo lá ou era aquela coisa lá ao fundo do vale que subia e descia como corta-fogos) determinaram a atitude e decisões no restante do circuito. Uma dor no polegar direito, resultante de uma qualquer luxação ocorrida na queda recente, tornava-me o fora-de-estrada mais técnico muito doloroso. Começamos a optar por estrada e a discutir como voltar a Salamonde. Creio que os nossos cérebros já não tomavam as decisões mais acertadas e acabámos por fazer opções estranhas. Contudo, e com certeza com muita sorte, acabámos por ligar a um ponto que eu tinha querido visitar de modo muito particular: a ponte da Misarela ou ponte do Diabo. Por ali perto passava o caminho romano que liga Braga a Chaves e a ponte terá servido para as tropas de Proust em fuga do exército inglês. Um local magnífico e mágico que recomendo que visitem. A lenda diz que foi “feita” pelo Diabo a pedido de algum desgraçado que fugia de alguém e logo destruída para impedir a passagem do perseguidor. Um padre, mais tarde, também encomendou a sua (re)construção ao Belzebu e, procedendo à sua bênção fez com que o Diabo rebentasse (parece-me um pouco injusto, dado o trabalho todo que o cornudo tinha tido…)
Um track que tinha encontrado (já não me lembro da origem, mas será também do JMoniz??) seguia, então, ao longo da barragem de Salamonde e teria sido a escolha lógica. No entanto, preferi ir por asfalto para não ter problemas com o polegar. Isso fez com que tivessemos que retroceder até à barragem da Paradela numa subida longa que terminava na estrada que vem de Chaves e nos levou rapidamente até Salamonde. Chegámos ouvindo a torre da igreja dar as oito horas e com os últimos raios da luz do Sol a espreitar por detrás do maciço granítico da serra do Gerês. Tinhamos viajado 103 Km, feito trilhos técnicos com fartura, corrido 3 serras, visitado 3 barragens, e acumulado 2700 m de subidas. Foi uma boa viagem...