«Ele há coisas que não lembram ao Diabo!»

El Solitario

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Passou os olhos, sem necessidade, pela Escala de Serviço como o dever lho exigia.

Desde que fora destacado para este posto como solitário representante da “lei e da grei”, não havia necessidade de confirmar o que havia a fazer. A Escala de Serviço, invariavelmente ordenava «Verificar o bom uso e estado de conservação dos trilhos e estruturas afins».

No inicio embirrara com a “alto valor da missão” a que fora promovido. Sempre desconfiara que a “distinta honra” que lhe coube em sorte ao ser colocado, isolado, neste posto tivera a ver com os olhares indiscretos que trocara com a filha do Major. Meras suposições.

Mas agora até gostava. Era Rei e Senhor nas suas horas de serviço. Tinha a liberdade de escolher os trilhos a fiscalizar (sem esquecer as “estruturas afins), e entregava-se com empenho à sua missão. Só lamentava a ausência de uns certos olhos verdes… coisas.

Antes que começasse a sonhar acordado, pôs-se a caminho…
Apontou ao Monte do Capelão, encimado pelo respectivo talefe do Capelão, e sorriu consigo próprio «ainda há dez minutos estava fechado no posto, e agora estava no meio do monte». Era disto que gostava, pensou.
Depois de alcançar o cume e verificar a ordem registou a inspecção e prosseguiu.

Talefe do Capelão
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Talefe do Capelão
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O trilho, em área florestal sem grande riqueza, estava contudo limpo, mentalmente tomou nota, havia manutenção.
Após alguns caminhos urbanos de ligação com nova zona florestal, desacelerou. Pudera… lá no alto, a Stª Marta das Cortiças, exigia mais entrega à missão. «Devagar para ir longe». Nos seus apontamentos tomou nota das “pintarolas” que adoçavam certos troços. «O Major é que gosta disto; saltitar com a amante por entre os calhaus».

Chegado ao alto, novos registos, trabalho é trabalho.

Sameiro, visto de Stª Marta.
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Talefe de Stª Marta das Cortiças.
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Capela de Stª Marta das Cortiças.
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A Stª Marta das Cortiças, ou simplesmente Stª Marta, tem fama no burgo, mas a fama não é muito lisonjeira, a atestar o facto, um carro patrulha de outros agentes da lei zelavam pela manutenção dos “bons costumes”. «Bom dia, e bom trabalho!».

Dos trilhos escolhidos para a descida, nas traseiras do Hotel Falperra, deverá fazer seguir relatório pouco abonatório para o seu superior. «Falta de manutenção, má sinalização, crateras e vegetação a rodos».

Hotel da Falperra.
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De novo em caminhos urbanos atravessou Briteiros até à proximidade da Citânia, onde se embrenhou novamente em trilhos florestais. O estado de conservação geral é satisfatório, com excepção de certos troços atapetados com restos de entulho de obras doados por alguns “civilizados”. Terá que aumentar a fiscalização nesta área.

Mas existe sempre um ou outro recanto...

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Chegado à capela de Stº António parou para repasto. Divinal, não tanto pela riqueza do comer, mas pelo ambiente da “casa”, bucólico, a convidar a um justo descanso. E descansou.

Capela de Stº António.
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Mas a missão chamava. Era preciso verificar a “cabana”. Depois de uma curta subida, e quando já julgava que não dava com a dita… ei-la.

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Verificou que tudo estava em ordem, e depois de olhar ao redor, a perscrutar algum curioso, pôs de lado a seriedade das divisas e entregou-se, literalmente, à brincadeira…

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Acabado o folguedo, atirou-se novamente aos trilhos. Novamente florestais, em que desta vez alternavam os troços com e sem manutenção, talvez por a escolha ser vasta. Sorte ter o aparelho guia.

A dada altura julgou ter um furo. A trepidação naquele piso de terra era um mau prenúncio. Parou, e constatando a integridade dos pneumáticos, reparou melhor no piso. «Betão??!! Mas quem se lembrou de betonar umas dezenas de metros dum trilho no meio do monte??? Ele há coisas que não lembram ao Diabo!». Adiante.

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Estava agora junto da linha de água a jusante de Sobreposta. Seguiu o trilho para montante, devidamente sinalizado pelos conhecidos tracinhos amarelos e vermelhos. O fragor da corrente denunciava as cascatas um pouco mais acima.

À vista de vários amigos de quatro patas, os tais que dizem serem o melhor amigo do Homem, julgou prudente entabular conversa com a anciã que lhe surgiu ao caminho.
«Boa tarde, tudo bem?»
«Desculpe lá o desassossego dos canitos, não fazem mal, mas ultimamente tem passado por cá uns gandulos de bicicleta, e eles agora dá-lhes p´ra isto…»
«Mas, os tais gandulos, dão chatice?»
«Nã, parece ser gente de bem… mas engraçaram bastante ali com a chocolateira do meu home… temos que estar de olho…».
«Se houver problema avise. Boa tarde.»
«Boa tarde, siga com Deus.»

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Cascatas de Sobreposta.
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Cascatas de Sobreposta.
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Cascatas de Sobreposta.
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Chegado ao betuminoso, decidiu manter-se nele. Faria assim mais rapidamente a ligação com os montes sobranceiros ao novo Hospital de Braga. Queria saber das “asneiras” que por lá se faziam.

Iniciara novo percurso em trilhos de monte, e, julgou que estava no sítio errado e phodido.
Ladeavam o caminho, em jeito de emboscada, quatro gandulos, e estes sim, metiam medo. De camuflados militares, caras pintadas de negro, e espingardas à vista. «Mau mau… já começou a revolução?!» pensou.
«Posso seguir?» Indagou na esperança de ouvir «P´ra trás!»
A resposta foi sussurrada. «Pode. Mas é bom que assinale a marcha.»
E foi assim que atravessou um destacamento militar, em manobras de campo, a cantar.
Não sabe o que cantou, pelo menos fez barulho, e não levou nenhum tiro… ufa!. «Ele há coisas que não lembram ao Diabo!».

Depois de passar o acampamento, e acabada a cantoria, atirou-se a outro talefe, “Pedroso” como consta nas cartas militares (irra, novamente os militares).
Este pinoco tem a particularidade de estar plantado no meio do tojo, bravo e arisco por sinal. Mas o sentido da missão não estava para hesitações. «Têm que ser, será. Ala!».
Assinalou a falta de acessos e registou o dito pinoco, bem como as obras do referido hospital.

Logo percebeu que o imenso estaleiro engolira parte dos caminhos, e provavelmente, a riqueza patrimonial e histórica das “Nascentes das Sete Fontes”. Novamente lhe veio à ideia o estribilho, tão usado neste dia, «Ele há coisas que não lembram ao Diabo!».

Talefe do Pedroso.
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Novo Hospital de Braga.
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De novo no buliço da cidade, num ápice estava no seu posto. Para completar a missão faltava agora o respectivo relatório para o Major.

Começava a sentir o “doce torpor das endorfinas” a invadir as mais recônditas células do seu corpo, e embora empenado, estava vivo e feliz.

E assim, sem saber bem porquê, começou o relatório enquanto trauteava «Verdes são os campos da cor do limão, verdes são os olhos do meu coração…»


Estes e outros apontamentos em https://picasaweb.google.com/el.solitario.btt/KintalII#
 
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nunoklein

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Mais um dia de faina que apenas de ler fiquei cansado,no entanto, não parei antes da ultima letra, da ultima foto.

Parabens, excelente como de costume.
 

jorgegt

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Realmente, uma crónica muito bem consegida com boas fotos.............e teve sorte de não se cruzar com esses tais GANDULOS que são do piorio, e eu que o diga.
Essa chicolateira ainda lá estava?? que sorte de não ter sido levada por algum ET LOL
 

nuno.fbc

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Boa tarde pessoal do pedal...

Mais um belo relato do "El Solitário"..... Belos trilhos estes, cá nos arredores de Braga...

Parabéns.

Cumprimentos BTTistas
Nuno Campos
 
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